“232. As divisões do século XVI foram causadas por diferentes compreensões da verdade da fé cristã e foram particularmente conflitivas, uma vez que parecia estar em jogo a salvação. Em ambos os lados havia pessoas com convicções religiosas tão arraigadas que se imaginava não poderem ser abandonadas. Ora, não se pode culpar a alguém por seguir sua consciência quando foi formada pela Palavra de Deus e alcançou seu juízo após deliberação séria com outras pessoas.
233. A maneira como os teólogos apresentaram suas posições nos debates diante da opinião pública é uma outra questão. No século XVI, católicos e luteranos frequentemente não apenas entenderam mal, mas também exageraram e caricaturizaram seus oponentes para expô-los ao ridículo. Repetidas vezes violaram o oitavo mandamento que proíbe levantar falso testemunho contra seu próximo. Mas mesmo quando os oponentes eventualmente fossem corretos um com o outro, sua disposição de ouvir o outro e levar a sério suas questões era insuficiente. Os controversos queriam refutar e vencer seus oponentes, muitas vezes exagerando de modo deliberado os conflitos, ao invés de buscar soluções a partir de um olhar do que tinham em comum. Preconceitos e mal-entendidos tiveram um grande papel na caracterização da outra parte. Formaram-se assim oposições que foram passadas à geração seguinte. Aqui ambos os lados têm razões para se queixar e lamentar sobre o modo como os debates foram conduzidos. Tanto católicos quanto luteranos carregam a culpa que precisa ser reconhecida abertamente na recordação dos eventos de há 500 anos.”
(...)
“238. Católicos e Luteranos têm consciência de que eles e as comunidades em que vivem sua fé pertencem ao corpo único de Cristo. Está crescendo a consciência de que as lutas do século XVI estão superadas. As razões para condenar mutuamente a fé do outro estão ultrapassadas.”
(Do Conflito à Comunhão – Relatório da Comissão Luterana – Católico-Romana para a Unidade, 1ª edição – 2015, edição conjunta da CNBB e da editora Sinodal)
https://www.lutheranworld.org/sites/default/files/dtpw-from_conflict_to_communion_pt.pdf
Joseph Ratzinger, antes de ser papa, escreveu o seguinte sobre o protestantismo:
“A dificuldade na maneira de dar uma resposta é profunda. E em última instância, se deve ao facto de que não existe uma categoria adequada no pensamento católico para o fenômeno atual do protestantismo (poderíamos dizer o mesmo da relação com as igrejas separadas do oriente). É evidente que a antiga categoria de ‘heresia’ já não tem valor algum. A heresia, para a Escritura e a Igreja primitiva, inclui a ideia de uma decisão pessoal contra a unidade da Igreja, e a característica da heresia é a pertinacia, a obstinação daquele que persiste no seu próprio caminho privado. Isto, no entanto, não pode ser considerado como uma descrição apropriada da situação espiritual do cristão protestante. No curso de uma história já centenária, o protestantismo deu uma importante contribuição à realização da fé cristã, cumprindo uma função positiva no desenvolvimento da mensagem cristã e, acima de tudo, suscitando muitas vezes uma fé sincera e profunda no indivíduo cristão não-católico, cuja separação da afirmação católica não tem nada que ver com a característica de pertinácia da heresia. Talvez aqui possamos inverter uma frase de Santo Agostinho: que um velho cisma se converte em heresia. O próprio passar do tempo altera o caráter de uma divisão, de modo que uma velha divisão torna-se algo essencialmente diferente de uma nova. Algo que em determinada altura foi justamente condenado como heresia não pode mais tarde simplesmente passar a ser verídico, mas pode pouco a pouco desenvolver a sua própria e positiva natureza eclesial, com a qual o indivíduo apresenta-se como a sua igreja e na qual vive como um crente, não como um herege. Porém, esta organização de um grupo, em última análise, tem um efeito sobre todo o conjunto. Portanto, a conclusão é inevitável: o protestantismo hoje difere do que se considera por heresia no sentido tradicional, um fenômeno do qual o verdadeiro lugar teológico não foi ainda determinado.”
(The Meaning of Christian Brotherhood, Ignatius Press, pp. 87-88)
Um trecho da versão original pode ser visto no link abaixo:
"(...) Catholic thought for the phenomenon of Protestantism today (one could say the same of the relationship to the separeted churches of the East). It os obvious that the old category of 'heresy' is no longer of any value. (...)"
https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&id=XZOjDgAAQBAJ&q=heresy#v=snippet&q=heresy&f=false
* Podemos extrair daí que a heresia é a doutrina contrária à Bíblia, e no protestantismo, embora possa existir um erro aqui e outro acolá, em geral não ensina a heresia.
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